Alex Santana
Cantora e compositora trans da Bahia, Majur ganhou destaque na música ao ser descoberta por Caetano Veloso. Hoje, aos 29 anos, a artista é dona de dois álbuns: “Ojunifé” (2021) e, mais recentemente, “ARRISCA” (2023), com colaborações de nomes como Ivete Sangalo e Olodum.
Suas canções, que combinam leveza e emoção, fazem dela um símbolo de representatividade para a comunidade LGBTQIAP+. Em 2023, Majur apresentou-se com Emicida no Womad Festival e, em 2024, fez seu primeiro show internacional no Roskilde e no Palco Mundo do Rock in Rio.
Capa single - Divulgação
Confira abaixo nosso bate papo:
Seu novo single, “Tudo Maré,” traz uma mensagem sobre superação e amor próprio. O que você deseja transmitir ao público com essa música?
O que eu quero dizer é que tudo passa. Não precisamos nos desesperar em momentos difíceis, porque as respostas estão contidas na gente mesmo. E o desespero faz a gente ficar cego e pensar que tudo acabou, que não tem jeito. Algumas pessoas desenvolvem até depressão ao não conseguir enxergar uma saída.
E Tudo Maré vem para dizer que, de fato, pode ser tudo dor pra você agora, em outro momento pode ser tudo amor. E, na verdade, tudo isso é. Tudo isso é a vida. Você tem que saber que isso vai existir em alguns momentos e você precisa aprender a surfar essa onda, estar para as duas coisas. Ninguém tem tudo e pode ter tudo ao mesmo tempo. Não faz sentido pensar que acabou. Então, é sobre viver de novo, sobre realizar sonhos novamente, sobre se enxergar, sobre se rever de onde parou. É sobre isso!
Alex Santana
Como foi o processo de gravação do clipe de "Tudo Maré" no Vidigal e a colaboração com a diretora Marina Zabenzi?
Foi muito emocionante, o resultado final ficou de cinema. Aguardem! Estou muito feliz com o que estamos propondo neste trabalho.
Em 2024, você teve momentos marcantes, como sua estreia no Palco Mundo do Rock in Rio e o show no festival Roskilde. Como foi a experiência de se apresentar internacionalmente?
Foi um sonho realizado. É incrível pensar que eu não desisti de ir atrás do que queria, fui corajosa ainda criança e não desisti de nenhum dos meus sonhos. Foi um exercício e tanto chegar neste lugar... Por isso, quando eu vejo esta surpresa que na verdade não é surpresa nenhuma, porque eu sei o caminho que eu trilhei para chegar até aqui, tenho o desejo de ir muito mais longe, para além de fronteiras brasileiras. Quero conhecer novas realidades, países e culturas. Estive fora do Brasil pela primeira vez o ano passado e não imaginei que voltaria nove meses depois para fazer um show, com a minha banda, num festival tão grande quanto o Roskilde. Estou muito orgulhosa e emocionada de estar rompendo tantas barreiras.
Alex Santana
Como foi receber o convite de Alcione para homenageá-la no Rock in Rio? Quais foram seus sentimentos ao subir no palco com essa missão?
Eu já tenho uma história com a Alcione há um tempo, para além de ela ser uma das maiores referências para minha mãe, eu me sinto parecida, me sinto com a mesma força, a minha voz é muito forte e presente, assim como a da Alcione, e todas as vezes que a gente se encontrou sempre foi muito mágico, não é atoa que a gente se conectou. No Rock in Rio não foi diferente, acho que essa foi a quarta vez que cantamos juntas e é surreal eu falar isso que eu estou cantando com a Alcione. É muito bom estar com ela, na presença dela e, principalmente, utilizando a minha voz para homenagear esse grande ícone que transformou a indústria brasileira, que é uma das mulheres que trouxe a mulher para o samba que fez a mulher ser reconhecida no momento onde os corpos femininos não eram reconhecidos. Ela tem uma história absurda e pra mim vai ser sempre inesquecível.
Seu álbum "Ojunifé" trata de autoconhecimento e afeto. Quais foram as principais inspirações para criar esse projeto?
Ojunifé tem muitos batuques e palavras de matriz africanas, principalmente por causa de Salvador. É a minha origem, minha história e minha ancestralidade. Quando eu falo deste disco, falo de uma transgressão. Estava me transmutando enquanto mulher trans, acessando o espaço do meu corpo e ao mesmo tempo fiz santo no Candomblé. Inclusive, acabei de completar três anos da minha iniciação. As músicas realmente falam de um lugar extremamente sentimental, cuidadoso e complexo.
Tive que colocar muita coisa para fora neste álbum e ao mesmo tempo eu estava super agradecida a Xangô e Iemanjá por ter possibilitado viver para eu ser quem sou hoje.
Alex Santana
"ARRISCA" mostra uma nova faceta sua, explorando o pop contemporâneo. Como foi o processo de criação desse álbum e o que ele representa para você?
O álbum tem referências diretas de jazz, blues, R&B, axé music, que está entranhado em mim como soteropolitana, além do som pop atual. Costumo dizer que é o meu “Renaissance”, de Beyoncé, pois traz uma força muito grande e me lembra de uma cultura da qual eu faço parte: a cultura ballroom.
Com ARRISCA, me senti totalmente completa de mim mesma e pronta para arriscar. Tudo ou nada é o que eu estou dizendo para as pessoas e fazendo com que elas agora entendam: a gente se faz pra ir pro mundo, pra viver. Essa é a hora de viver e celebrar quem somos. Estou no palco celebrando a minha vida, a vida de várias pessoas que estão comigo e fazendo o público também celebrar a própria vida.
Alex Santana
Você é um símbolo de representatividade para a comunidade LGBTQIAP+. O que essa responsabilidade significa para você e como isso impacta seu trabalho artístico?
O meu corpo é político, então a minha vivência enquanto mulher trans atravessa tudo. A partir do momento que eu saio de manhã, num horário que as travestis não conseguem andar livremente, eu estou construindo e atravessando tudo. Imagine então eu subir num palco e cantar para milhares de pessoas, ser filmada e divulgada através de uma televisão ou revista. Todos os meus movimentos são transgressores, transformadores e futuristas. Eu sou uma cantora e pessoa afrofuturista, especialmente por ser uma mulher trans e negra no Brasil.
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