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Como foi sua experiência de vida antes da adoção e como essa mudança impactou sua trajetória pessoal e profissional?

Lembro que ainda no orfanato eu já tinha consciência do lugar que estava e qual a minha maior busca naquele momento. 
Encontrar uma família. 
Eu fui muito feliz no Educandário Romão Duarte, no bairro do Flamengo do Rio de Janeiro. 
Quando vejo minha única foto que tiraram de mim assim que cheguei, vejo a mini Jessica com um lindo sorriso, olhos atentos como quem quer conhecer o mundo lá fora, muito curiosa e ao mesmo tempo recolhida. 
Naquela época as crianças eram cuidadas por freiras, muitas já eram senhorinhas que se dividiam para cuidar do setor das meninas e dos meninos. 


Durante a semana a gente tinha atividades, missa, piscina, aula de música, todas às tardes tinha lanche com cheirinho de café e pão, e aos domingos a gente se arrumava para conhecer as futuras famílias que iam nos visitar. 
Com 5 para 6 anos eu conheci minha mãe, Regina Córes. Ela me deu a oportunidade de recomeçar a vida. 
Advogada, independente e também fora professora do ensino público quando mais jovem. Me educou muito bem e com muito amor. Dava aulas de todas as matérias para reforçar as aulas da escola porque tive muita dificuldade quando comecei a estudar. 
Fazia sociais com a família, vizinhos e amigos pra celebrar a vida ou alguma data específica e sempre a base de música. Principalmente aos domingos quando ligava a vitrola ao som de Gal Costa, Emílio Santiago, Milton Nascimento, Marisa Monte e tantos outros que embalavam nosso dia. 


Eu tive a sorte de ter sido escolhida pela minha mãe e irmão. 
Infelizmente reconheço que a realidade de muitas crianças pretas não chegam nem perto de ter a possibilidade de uma infância como a minha, sobretudo a educação em nosso país. 
Mas nem tudo era um mar rosas. Eu era a única pessoa negra da família e vivia na Zona Sul do Rio, estudando em escola particular que quase sempre a única negra da turma. 
Desde muito cedo tive que encarar de frente o racismo.
Eu sinto que fui sendo lapidada, entendendo meu corpo político e ao passar dos anos me imbuindo de muita sabedoria. 
Hoje coloco em prática, pitadas dessas vivências, a mulher que me tornei para o meu ser artístico e nos personagens que faço.  

Qual foi a sensação de realizar o sonho de desfilar na Semana de Moda de Paris e abrir um desfile tão importante?

Eu sempre acreditei e sigo acreditando muito na força do pensamento e mais ainda no meu jeitão de ser. 
Eu emanei assim que cheguei no aeroporto de Paris desfilar na semana de moda mesmo sabendo que as possibilidades eram mínimas e porque os castings das marcas já estavam com os modelos fechados. 
Mas como eu não vim ao mundo a passeio me dedicava nos compromissos agendados, nos eventos e fortemente nos shooting. Dormia pouquíssimas horas por dia mas entregava tudo tudo na hora! E numa dessas fotos que fiz a dona da marca gostou do resultado e me chamou pra abrir o desfile da marca no Paris Fashion Week. 
Dois dias depois estava eu no backstage muito emocionada, olhando para aquelas pessoas falando em francês e inglês. Confesso que fiquei nervosa, sentindo frio na barriga, mas feliz para caramba por essa conquista. 
Foi bonito ver todo o movimento que fiz desde a organização da viagem que eu nãos sabia se daria certo, até o momento do desfile. 
E deu, mais um sonho concluído da minha longa lista com êxito.
 

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Como surgiu o convite para participar do desfile do Ateliê Mão de Mãe no São Paulo Fashion Week?

Os estilistas da marca já tinham feito o convite no ano anterior, porém por questões de agenda eu nao pude. 

E assim que cheguei de Paris recebi a mensagem do estilista Vinicius Santana convidando pra abrir o desfile da marca. Foi uma noite linda e incrível. 

O que mais te atraiu no roteiro de “O Apanhador de Almas” e como foi trabalhar com os diretores Fernando Alonso e Nelson Botter Jr?

Tenho muita curiosidade com lado místico. Quando peguei o roteiro para ler pela primeira vez fui me empolgando com as cenas da bruxa, o ritual com as amigas, os segredos que cada personagem carrega, as relações humanas e suspense ao desenrolar da trama. 

E por gostar de filmes de terror aceitei de imediato o convite para embarcar neste projeto e também por ser uma história diferente de tudo que eu já tinha feito no audiovisual. 

 

Os diretores eram abertos, me deram espaço para eu criar a minha pesonagem, a Mia, que era uma bruxinha com muitas camadas e complexidades. 

Funciona melhor quando temos o passe livre com os diretores onde se tem troca, escuta e respeito. 

Era bom demais vê-los vibrando com as cenas e o clima no set era leve, com muitas gargalhadas entre a equipe e elenco. 

No filme “Biônicos”, você encara o protagonismo de uma narrativa futurista. Quais foram os maiores desafios ao interpretar essa personagem?

O primeiro desafio começou já no teste, vendo o grau de dificuldade que seria para conquistar a protagonista em meio à tantas outras atrizes que admiro que estavam sendo testadas. 

E depois de aprovada o segundo desafio foi fazer uma cirurgia em tempo hábil no joelho esquerdo, mais precisamente no menisco lateral para assim estar recuperar antes do início da preparação e laboratório. 

Mas certamente o terceiro desafio e o maior de todos foi dar vida à uma atleta em salto em distância que lutava, corria, saltava, malhava…foi um processo muito puxado fisicamente e emocionalmente. No entanto, foi um trabalho que fui muito feliz do começo ao fim e faria tudo de novo se tivesse uma 2 temporada.

Entre seus trabalhos na televisão, há algum papel que tenha marcado sua carreira de forma especial?

A Sereia de Cidade Invisível é uma personagem que carrego comigo e que sou apaixonada num nível altíssimo. Falei para o diretor na época do teste dizendo que sabia nadar, mas não sabia. Para não perder o papel entrei na aula de natação que fazia nas folgas das gravações e foi um sucesso, a ponto de não precisar de dublê. 

E também foi uma personagem/entidade que permitiu a me conectar com os meus ancestrais, mesmo que de forma oculta na série. 

Eu recebia mensagens de fãs da série dizendo que ainda não tinham visto uma sereia preta e para os meus pares eu estava trazendo representatividade pra comunidade, mostrando que é possível o lugar de destaque. 

A Sereia me abriu muitas portas e a partir dali fui chamada para outros trabalhos. 

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Como foi a transição de trabalhar em produções nacionais, como "Verdades Secretas", para atuar em projetos internacionais, como “País Irmão” e “El President”?

Verdades Secretas foi meu primeiro trabalho profissional gravando numa das maiores emissoras do Brasil, a Rede Globo.

Tinha recém ingressado no teatro e de repente estava trabalhando em uma grande  produção. Era assustador no início, estava amedrontada por ser a primeira novela, chegava no estúdio super tensa para gravar, com a boca seca e medo de não lembrar do texto, tremia as pernas quando tinha cenas com os grandes atores mas fui me soltando.

Um tempo depois fui chamada para para fazer a série em Portugal, País Irmão. Estava um pouco mais treinada, com noção de espacialidade, mais firme nos diálogos mas insegura por estar fazendo duas personagens ao mesmo tempo na trama. 

 

Já na série El President, gravando no Uruguai, eu estava mais preparada e madura com uma grande produção estrangeira, atuando em inglês e português. Confiança é tudo! Me divertia em cena a ponto de querer mais e mais. 

Que conselhos você daria para quem sonha em construir uma carreira tão diversa e bem-sucedida como a sua?

Acredito que seja importante termos planos…plano A, B, C, D.

Que devemos testar algumas áreas até se achar, mas nem sempre isso é possível dependendo da situação financeira.

Fui emancipada e comecei a trabalhar aos 16 anos. Já fui hostesses de restaurante, babá de um cachorro cego de um olho, trabalhei em eventos, fiz figurações, fui modelo viva, fazia curso de desenho, estudei publicidade e marketing, fiz dança, trabalhei um tempo no escritório de advocacia da minha mãe para talvez também advogar, comecei a modelar, estudei para concurso público, fiz design de moda, estudei inglês e intercâmbio em NY, estagiei numa empresa de design gráfico, depois entrei no teatro e em paralelo consegui me formar em design gráfico. 

Com oportunidades e sorte aproveitei cada uma delas. 

Mesmo em áreas distintas foi essencial para eu me tornar hoje uma artista bem-sucedida e também sempre acreditei que conseguiria chegar em algum lugar. 

É sobre ter fé e acreditar no seu jeitão. Vá em frente, mesmo com medo.

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