CAPA ESPECIAL
Da internet às telas: Sua incrível jornada na TV
Bianca Dellafancy
Fotos: Vida Fodona
Bianca, como foi a transição das passarelas e da internet para a televisão? Quais foram os maiores desafios e surpresas nesse processo?
É um formato novo para mim. É a primeira vez que eu estou na televisão, e na novela das 21h, que tem um alcance imenso por ser um público mais velho. É algo que me interessa muito justamente porque eu já sou bastante conhecida na internet. Meu público vai de pessoas muito jovens, pré-adolescentes até adultos de 30 anos. A novela faz com que eu tenha um alcance de pessoas mais velhas, de 40 anos para cima, que não tenho tanto alcance pela internet e que não se interessa pelo universo drag queen. Não consome muito meu tipo de conteúdo. Então, é muito bom, uma forma de furar a bolha, realmente levar meu trabalho a mais pessoas e fazer com que elas se interessem, de alguma forma, pela minha arte. Não só pela minha, mas também pela de tantos outros que fazem arte drag.
A Janaína é uma forma muito legal e respeitosa de mostrar isso, e, de fato, aguça as pessoas a terem mais curiosidade sobre o que eu faço. Uma vez que elas têm curiosidade sobre o que eu faço, acabam tendo acesso ao meu conteúdo. E não só ao que eu faço, mas também ao que eu falo. Começam a ter acesso aos meus vídeos, às minhas opiniões, aos meus apontamentos e colocações. Então, acaba sendo uma porta de entrada para quem não tinha, até então, contato com essa cultura. Eu fico muito feliz.
Você menciona que a arte drag é uma grande performance. Como essa experiência ajudou você na interpretação da personagem Janaína em “Renascer”?
Bom, nós vivemos no país que mais mata pessoas LGBTQIA+, do mundo, é um país extremamente machista, com uma frente conservadora muito grande, uma frente evangélica que, enfim, teima em nos podar e tentar remanejar a política de uma forma que nos coloca sempre num lugar marginal. Então quando você escolhe trabalhar e se expressar artisticamente de uma forma que é contra o que essas pessoas ditam por aí, é um ato político, porque seria muito mais fácil a gente se adaptar, inclusive por nossa própria segurança, seria muito mais fácil a gente se adaptar a essas pessoas e entrar ali dentro daquela redoma, daquela caixinha que espera da gente. Eu enquanto um homem gay preto, as pessoas, a sociedade espera que eu seja um homem. Que eu seja um homem que venere justamente o fato de ser um homem cis. E aí quando eu me entendo como um homem gay, entendo que a expressão artística que mais me cabe é a arte drag, que é me montar, me maquiar, colocar uma peruca, uma calcinha, eu tô indo contra o que as pessoas esperam de mim. Eu estou lutando pela minha liberdade. E não só pela minha, como a de tantas outras pessoas. Então é uma expressão artística de resistência mesmo. Porque tudo ao nosso redor tenta nos forçar a desistir de ser livres. Tudo ao nosso redor tenta nos forçar a entrar numa caixinha de vergonha e a gente bate no peito, não só no mês do orgulho, mas o ano todo dizendo que nós temos orgulho de sermos quem somos. Orgulho de ser exatamente quem eu sou e de fazer exatamente o que eu faço, e isso é um ato político. Isso está dentro da maquiagem, está dentro da moda, está dentro de tudo, porque a maquiagem, a moda, a arte drag é liberdade, é a gente entender como que a gente quer que o mundo nos veja, qual roupa quero usar, qual maquiagem eu quero usar, de qual forma eu quero me expressar, de qual forma eu quero que o mundo me veja, e se eu não escolho uma forma heteronormativa, se eu não escolho uma forma conservadora, eu estou sendo político, por mim, pelos meus, pelas minhas.
Quais características de Janaína você mais se identifica e quais foram mais desafiadoras para você incorporar?
A Janaína é uma superstar e quer dominar o mundo. Na verdade, já dominou. O mundo ainda não está nas mãos dela, mas isso é só um detalhe, pois vai acontecer. O maior desafio para dar vida à Janaína é entender que ela é uma ultra drag queen. Eu estou dando vida a uma outra drag, o que é difícil, pois a dificuldade no começo era criar a Janaína separada da minha história pessoal, de Bianca DellaFancy. Por mais que eu tenha me identificado com ela logo de início, me lembra muito a Bianca do começo da carreira. Aquela Bianca DellaFancy que só tinha os sonhos e uma peruquinha na mão, que era de carnaval, e uma certeza de que as coisas iam acontecer, como aconteceram.
Eu me dediquei muito à Janaína logo no começo, justamente para me lembrar do início da minha carreira. E não só a Janaína, mas o próprio Jorge. Eu também tento levar para ele um pouco do Felipe no começo de tudo, que é uma coisa mais embrionária, lúdica e muito mais sonhadora do que pé no chão. A maturidade faz a gente colocar os pés no chão. A Janaína/Jorge ainda não está com os pés fincados, ainda está em um lugar bastante sonhador, que é muito bonito de se ver também, pois é uma das partes da evolução, do amadurecimento.
A minha preparação foi justamente entender essa diferença. Estou fazendo outra drag, por mais que me identifique, não é a Bianca, não é o Felipe, é a personagem. Ele precisa ter a história dele, independente da minha. E o que estiver no roteiro, eu vou ter que interpretar, independentemente de eu fazer aquilo ou não na vida real. Pois é meu personagem, não sou eu. Essa desconexão, por mais conectado que eu esteja, que eu seja com Jorge e Janaína, é um desafio. Além dessa minha preparação pessoal, também tive a preparação da própria emissora. Prepararam nosso corpo para a personagem e tivemos alguns encontros com o restante do elenco. Foi incrível.
Como foi trabalhar ao lado das atrizes Gabriela Loran e Galba Gogoia? Poderia compartilhar algum momento marcante dessa parceria?
Foi muito especial trabalhar com elas. Eu já conhecia a Loran de eventos e também já seguia ela na internet, sempre admirei muito ela como pessoa, como atriz. E a Galba foi uma alegria poder conhecer também e hoje em dia também já acompanho e considero uma pessoa incrível e uma atriz incrível, além de roteirista de mão cheia. Também admiro muito. Então tem sido muito massa trabalhar com elas, tem sido muito gostoso. As duas são pessoas ótimas e conhecem muito da televisão, conhecem muito da arte. A gente acaba trocando muito nos bastidores durante as gravações também. Então tem sido muito rico trabalhar com elas, muito rico mesmo.
O momento marcante que a gente viveu... Eu acredito que a primeira cena que a gente gravou junto, foi muito marcante. Todas foram muito especiais, mas a primeira foi muito marcante. A gente tava ali ainda entendendo e foi ótimo, porque nós nos tornamos amigas de verdade. Hoje em dia a gente conversa mesmo fora das câmeras, tem um grupo no WhatsApp. Então, ali na primeira cena, entendemos que não só nossas personagens são amigas, como nós também poderíamos ser. Tanto é que nos tornamos.
A gente ali atrás da porta, e o Rodrigo Simas, o Venâncio abrindo a porta e a gente gritando surpresa. Foi muito legal, a gente ficou um bom tempo ali atrás da porta, esperando a hora de entrar em cena. E a gente conversou bastante, a gente riu muito. Ali já fomos nos conhecendo e nos entendendo mais.
A representatividade e a diversidade são temas centrais na sua carreira. Como você vê a importância desses temas na novela “Renascer”?
Bom, a novela das nove é um dos expoentes da cultura brasileira, muita gente, muita gente mesmo acompanha, eu cresci vendo os meus pais assistindo, e desde criança assistia já por consequência, sempre amei, e muitas temáticas ainda são apresentadas através das novelas para a família brasileira, então falar sobre a diversidade, falar sobre representatividade num canal tão grande quanto a novela das nove da Rede Globo, é essencial para que quem ainda não pensou sobre isso, que comece a pensar, que comece a enxergar isso como parte da sociedade, como parte essencial da construção da sociedade que a gente vive, então é essencial plantar essa sementinha.
Nem todo mundo está na internet, nem todo mundo tá ali acompanhando a gente no Instagram, acompanhando nas redes sociais e a novela é um lugar de fácil acesso para muitas pessoas, às vezes mais do que a internet.
Com mais de 19 milhões de visualizações no YouTube, seu conteúdo tem grande impacto. Como você usa sua plataforma para promover a diversidade e a inclusão?
Eu falo muito sobre a minha própria vida, né, a minha própria vida é uma vida repleta de histórias e momentos em que eu vivi e vivo na pele a diversidade e a necessidade de inclusão mesmo. Eu sou uma bicha preta, homossexual, afeminado, que faz drag queen, então a minha existência por si só já traça esse caminho, né? Essas milhões de visualizações no YouTube, nas redes sociais, esse grande impacto que eu causo, é muito gratificante para mim, porque aí eu tenho uma noção maior de que tem bastante gente de fato interessada e acompanhando o que eu falo, o que eu faço. Eu sempre falo muito sobre a importância de construir as nossas próprias narrativas, então eu uso minha plataforma justamente para construir a minha narrativa, não só a minha como a dos meus também, dos meus e das minhas, então eu uso a diversidade fazendo os meus vídeos, falando sobre a minha vida, falando sobre a vida de pessoas que eu tenho contato, não só no YouTube, como nas redes sociais, como no meu podcast também, o “Quanto vale essa história”, que é um podcast de histórias, então eu uso a minha plataforma sendo cada vez mais fiel a mim mesmo, cada vez mais espontâneo, cada vez mais preocupado com o mundo em que eu vivo, e aquilo que me atravessa, e muitas vezes também me preocupando com coisas que não me atravessam, mas que eu sei que atravessam outras pessoas que fazem parte da comunidade LGBTQIA+.
O quadro “DellaMake” viralizou com entrevistas icônicas. Qual foi a entrevista mais memorável para você e por quê?
Ai, olha, até arrepio. Todas as entrevistas são incríveis. Eu sei que parece papo de mãe, né? Que ama todos os filhos por igual. Mas de fato, todos os vídeos têm um lugar muito importante no meu coração. Todos, todos, todos, todos. Todos marcam um momento na minha vida pessoal. Todos marcam uma trajetória na minha carreira profissional. Quando eu assisto os vídeos, eu lembro exatamente o momento que eu estava passando na minha vida. Seja um momento bom, seja um momento ruim. Então é muito importante. Fora que eu sou extremamente feliz e agradecido por todas as pessoas, todos os artistas, personalidades que toparam gravar comigo em algum momento dessa vida. Porque teve muita gente que gravou comigo enquanto eu morava dentro de um quartinho. Sabia que eu não tinha condições de oferecer tudo que elas mereciam, mas ainda assim elas estavam lá. E eu sou muito grato a todas as pessoas que já gravaram comigo no DellaMake, muito, muito, mas para responder a pergunta e citar um episódio, eu vou citar da última temporada o episódio da Marcia Pantera. A Marcia Pantera é uma drag queen preta aqui de São Paulo, extremamente importante para a cena drag, e não só para a cena drag, mas para a cena artística de modo geral desse país, não só aqui em São Paulo, como no país, ela é precursora de muitas coisas, inclusive da arte do bate cabelo, que tanta gente conhece, tanta gente reproduz. E esse vídeo tem um lugar muito importante, em que ela se sentiu muito à vontade para falar sobre um momento da trajetória dela, que foi uma grande dificuldade que ela teve. E ali eu me emocionei muito. Ela também e todo mundo que assiste a esse vídeo se emociona e é um presente ter um registro de uma pessoa tão importante, tão emblemática no meu próprio canal. Isso é uma drag queen preta. Eu não estaria aqui se não fosse ela, não só ela como Silvetty Montilla, que também que já participou, mas enfim, se todos os vídeos são muito importantes pra mim.
Recentemente, você viralizou no Baile da Vogue com um look inspirado no Etevaldo. Como foi a criação desse look e qual foi a recepção do público?
A criação do look é minha e do meu stylist, o Thiago Setra. Todo Baile da Vogue eu faço com ele, que é incrível, um profissional maravilhoso, uma pessoa formidável também. Entrei em contato com o Thiago para a gente pensar num conceito e logo de cara, pensamos em fazer alguma coisa ligada à brasilidade. Ao mesmo tempo, o criador do look, o Victor Belchior entrou em contato comigo pela DM do Instagram, se predispondo a fazer o look pra mim como um presente. E eu já sabia do trabalho do Belchior e topei de cara. Então nós nos reunimos e o Victor apresentou a ideia do Etevaldo, que a gente naturalmente abraçou logo de cara. Foi extremamente significativo e foi uma honra prestar essa homenagem ao Etevaldo, ao ator, enfim, falar sobre isso foi muito importante naquele momento e sempre vai ser, na verdade. A recepção do público foi a melhor possível, foi muito mais positiva do que eu imaginei, inclusive. Eu fiquei muito, muito feliz, até hoje eu fico emocionado falando sobre isso, porque eu esperava que as pessoas fossem gostar, mas não esperava que as pessoas fossem se identificar tanto. Eu fiquei muito feliz porque, para além da homenagem, as pessoas tiveram uma conexão muito profunda e muito sentimental com o meu look, inspirado no Etevaldo, muitas pessoas tiveram ali memórias afetivas que vieram à tona, eu tive muitos, muitos, muitos feedbacks positivos, todos foram muito positivos, nenhum negativo e todos foram marcados por bastante emoção e muita história também, todo mundo tem uma história para contar com o Castelo Rá-Tim-Bum. Todo mundo não, mas quase todo mundo. E quem não tinha, passou a ter. Então eu fiquei muito feliz de fazer parte disso.
Seu podcast "Quanto Vale Essa História?" tem feito sucesso. Como você escolhe as histórias para o programa e qual foi a mais inusitada até agora?
Ah, o “Quanto Vale Essa História?” é um bebezinho, eu amo ele demais, é o meu podcast, sai toda terça e quinta. Terça-feira em todas as plataformas de streaming, disponível para todo mundo ouvir e quinta-feira é apenas para apoiadores. Mas explicando o podcast, é um podcast de contação de histórias, mas não é convencional, é uma experiência imersiva, em que você de fato mergulha na história junto comigo, enquanto eu leio. Nós temos o nosso editor, que é o Kaique, mais conhecido como Satã, e ele é extremamente competente em fazer uma experiência imersiva e fazer os ouvintes adentrarem a história junto com os efeitos sonoros e tudo que está acontecendo. É muito incrível, modéstia a parte, você não vai achar um podcast assim... Se você gosta de histórias, ouvir histórias de outras pessoas, você vai amar esse podcast, dificilmente você vai achar um podcast igual o meu, aliás eu acho que você não vai achar. E terça-feira são histórias mais 18, histórias proibidonas, vale muito a pena, essas são as mais inusitadas, e todas são igualmente inusitadas. E depois de ouvir a história, você vai no nosso Instagram, @quantovaleessahistória e deixa a sua nota de zero a dez, porque no final das contas eu quero saber quanto vale mesmo.
Seu podcast "Quanto Vale Essa História?" tem feito sucesso. Como você escolhe as histórias para o programa e qual foi a mais inusitada até agora?
Ah, o “Quanto Vale Essa História?” é um bebezinho, eu amo ele demais, é o meu podcast, sai toda terça e quinta. Terça-feira em todas as plataformas de streaming, disponível para todo mundo ouvir e quinta-feira é apenas para apoiadores. Mas explicando o podcast, é um podcast de contação de histórias, mas não é convencional, é uma experiência imersiva, em que você de fato mergulha na história junto comigo, enquanto eu leio. Nós temos o nosso editor, que é o Kaique, mais conhecido como Satã, e ele é extremamente competente em fazer uma experiência imersiva e fazer os ouvintes adentrarem a história junto com os efeitos sonoros e tudo que está acontecendo. É muito incrível, modéstia a parte, você não vai achar um podcast assim... Se você gosta de histórias, ouvir histórias de outras pessoas, você vai amar esse podcast, dificilmente você vai achar um podcast igual o meu, aliás eu acho que você não vai achar. E terça-feira são histórias mais 18, histórias proibidonas, vale muito a pena, essas são as mais inusitadas, e todas são igualmente inusitadas. E depois de ouvir a história, você vai no nosso Instagram, @quantovaleessahistória e deixa a sua nota de zero a dez, porque no final das contas eu quero saber quanto vale mesmo.
Quais são seus próximos projetos e ambições na carreira? Há planos de continuar na televisão ou explorar novos formatos?
Ah, vão vir muitos projetos, assim como o meu novo projeto para a DiaTV, o Dando Duro, junto com Rafa Chalhoub, nós vamos apresentar um programa de humor em que vamos invadir o mundo dos machões, logo a gente, duas gayzonas e eu ainda montada de Bianca DellaFancy, invadindo o mundo dos machões. É uma experiência incrível, é um programa muito divertido, toda terça-feira, às oito da noite, na DiaTV e também disponível no meu canal do YouTub. Tá bom pra você? Ainda teremos também temporada nova de DellaMake, com novos convidados, e por ora é tudo que eu posso falar, mas fiquem de olho nas minhas redes sociais porque vocês não vão se arrepender.